Estatuto
das ondas menores
Em
alto-mar, Excelência, ondas pequenas passam despercebidas pela quilha do navio.
Nem estância de beleza ou intenção qualquer marinheiro lhes dá. Ali estávamos
todos ocupados com os afazeres da marinharia, da manutenção das máquinas e da
boa navegação. Um marinheiro ou outro descansa, o cozinheiro já prepara a
próxima refeição, enquanto os taifeiros cuidam de arrumar as coisas para o bem
estar da tripulação. Não se pode pensar que o moço batendo ferrugem vá lançar
olhar pela borda, curioso das águas menores. Se me pergunta se há exceção,
Excelência, digo-lhe que os animais marinhos, em especial os golfinhos, se
aproveitam de navegar nestas vagas e nos chamam a atenção.
Vez
ou outra uma onda menor esconde no fundo história maior, tragédias de abandono
e descaso familiar. São pequenas ondas sem pai, sem lei, que passam abaixo dos
nossos olhares. Aí, Excelência, quando estas se lançam ao litoral, à praia,
tomam tamanho de desejo descabido. Lá encontram as pessoas e devolvem sua
invisibilidade em crueldade proporcional a sua dor. Por isto lhe peço,
Excelência, que as julgue com a compreensão de todo o processo e envie esforços
de gratidão aos golfinhos. Eles sabem brincar e cuidar destas ondas menores
para evitar que se transformem em dor. Antes de nós eles sabem tratar de todas
como seres vivos, e não objetos de descaso e desamor.
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