quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Tempo presente

Observar o profundo intervalo entre duas enormes vagas no meio mar.
Ver as surpresas do fundo emergirem em ondas.
Sentir o navio balançar cargas imaginárias.
Ver ao longe um navio desconhecido passar.
Ouvir ventos de virar o mar.
Dobrar todos os bojadores e ir a mais do medo.
Sentir falta, ser estrangeiro, suave desconhecido.
Imaginar areias dos desertos além do olhar.
Verbos de tempo presente, que nos deixam só com as melhores perguntas, aquelas sem resposta.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Flores no mar

     Mas como você diz que não há flores no mar, meu amor? Ele é campo semeado pelos espelhos das estrelas, pelos peixes de todos os tamanhos, pelos ventos espalhantes, pelos olhares marinheiros a se distraírem dos pensamentos menores. Então, meu amor, a água na garrafa que atirei ao mar para chegar as suas mãos é o melhor buque que, no meio de travessia, aqui colhi. Deixe-a ao lado de sua cama e durma sonhando. Flores, meu amor, apareceram em caminho até aqui. O encontro é fruto de flor bem cuidada.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Trancendental

     A dois metros de profundidade, quase à popa do navio em exaustiva manobra de atracação, uma mancha escura se desloca suavemente por um mar de cores enormes. Curiosos, os cinco marinheiros na popa ajeitaram seus olhos para repararem em tudo, nos cabos, nos cabrestantes, nas luvas e botas, na boça e no macacão. Olhos maiores foram ao raso fundo do mar, olhar a mancha que vinha à tona. A lancha que auxiliava a atracação já tinha olhos divergentes também quando a enorme arraia surgiu à borda das profundidades. Estas coisas que surgem do fundo transcendental, como se fossem pássaros imensos mergulhando da borda do céu, causam um não sei de felicidade, um arrepio que vem das entranhas. Bailou o mar da arraia, pintou o mar de movimento e mergulhou. Foi assunto de dias e encontros em todo o navio. Vez ou outra encontro pessoas com alma de arraia, mergulhadas em suaves mares interiores.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Vida e morte

     Sobre a ponte estreita entre a vida e a morte no mar, penso que ele é parque, paisagem e túmulo, com a mesma intensidade em todas estas instâncias. Nunca deixa de ser uma coisa para ser outra. É um convite azul para um mergulho, apenas um mergulho. São as ondas que por serem elas podem levar o navio ao fundo, apenas por serem elas. Entre a vida e a morte um fino casco a flutuar. Quantas almas se entregaram a ele para jamais dele sair, para nele se purificarem?
* Pensei nisto agora que lembrei do amigo Charles, que se jogou ao mar em uma travessia de Fortaleza para Salvador.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Navegante negro

     Nas primeiras luzes do dia, no convés do vivo navio Quintino, antes mesmo da hora certa de trabalhar, o bombeador Balbino já havia varrido seu convés e já estava a arrumar o paiol de bombas. Era ele o mais negro dos marinheiros de bordo e ele bem sabia disto. Caminhava a passos firmes em navio em balanço, disputando minha atenção com o horizonte a se pintar. O negro e a pintura, desígnios de alma em alvoradas de alto mar.