terça-feira, 30 de setembro de 2014

Sísifo feliz

     Às exatas quatro horas da manhã começa mais um quarto de serviço a bordo de navios em viagem. Isto significa que, aos navegantes que entram em serviço, o telefone toca precisamente às três e quarenta e cinco, com toda a crueldade possível. Levantei na ponta dos pés, disposto a me vingar do piloto que sadicamente me acordou. Entrei no passadiço disposto a dar-lhe um susto de parada cardíaca. Não surtiu efeito e ainda ouvi umas boas risadas de desprezo enquanto ele passava-me o serviço. Pouco depois, já sozinho, olhava o horizonte e fazia a navegação com o prazer de sempre, ainda que o humor não havia dado sinal de melhoras. Isto durava até o primeiro raio de sol e o cheiro do café que subia da cozinha. Às sete horas o pessoal de convés aparecia para tratar a ferrugem e pintar o navio e pouco depois das oito eu já estava sentado à mesa do refeitório, conversando com quem saia de quarto das máquinas. Sempre assim, tal qual Sísifo feliz, que percebia em seus sentidos o fluxo da vida sem esperar o paraíso.

 

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Encontros de alto-mar

     Lá pelas nove horas de um domingo qualquer, no meio de uma travessia do Brasil para o México, chegou ao passadiço um cabo foguista cujo nome já não consigo lembrar. Disposto a contar suas histórias de como deixou a faculdade de Veterinária para tornar-se marinheiro, deixou-me curioso e atento àquela história. Nas travessias em que passava longas horas, por ofício da profissão, cuidando de olhar o horizonte, receber alguém disposto a ser ouvido era presente que causava boa alegria. O rapaz sentou-se no piso e logo se pôs a contar de suas escolhas. De seu bolso esquerdo saía a ponta de uma gaita de boca e eu, ainda mais curioso, pedi-lhe para tocar alguma música. Não me recordo o que saiu do instrumento, mas ainda sinto meus ouvidos felizes, enquanto meus olhos seguiam atentos ao mar. Encontros de alto-mar tem a potência desarmada das almas. Espero que você esteja bem, amigo.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Os desejos

     Convencido a economizar dinheiro e caminho o Mestre do navio resolveu descer a ladeira pelas madrugadas de Salvador. Mesmo avisado dos perigos foi-se em inconsequência valente. Não se sabe o que aconteceu mas ele não chegou vivo ao final da descida. Esqueceu que era marinheiro, que o mar sempre convida ao salto sem volta ao navio. Afinal, o que faz um homem ceder aos seus desejos?

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Os mares que existem

Existem os mares de fora
Existem os mares de dentro
Mares a navegar
O solitário marinheiro os enfrenta
Sem saber destino correto
Só uma grande vontade de chegar


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A constância da vida

     Criei fatos para justificar a constância da vida. Certezas absolutas, dados, cartas náuticas para seguir rumo certo. Mas a vida é como o mar, um imenso risco, uma aventura a ser corrida.