domingo, 23 de novembro de 2014

Chuva

     Choveu muito sobre o navio. Era dia de calor em mar tropical. Cada gota lavou o sal das lágrimas do mar que sobraram a procurar descanso e alimento no convés. O mar do céu, quando desce, mata a sede das ondas, lava a alma do navio. O mar de baixo se adoça nestas horas e, bem depois, se aperta, se espreme, para mandar fumaça d'água para o céu. Quando junta tudo lá, que a gente chama de nuvem, chove muito sobre o navio. Prestando bem atenção tudo isto tem cheiro, tem cor e barulho. Marinheiro com saudade de casa chora escondido feito peixe na água, sem pena e lava a alma do navio, também...

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Olhar o mar

     Quando criança eu olhava o mar do alto do passadiço da casa da praia e pensava, muito, no bom que havia no lado de lá. Poucos anos depois, ainda quase criança, fui até lá e um pouco além. Daquela vez eu olhava para o lado de cá e pensava, muito, no bom que aqui havia ficado. Muito tempo depois, já com os sentidos mais presentes, descobri que gostava apenas, e muito, de olhar o mar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Manoel de Barros

    Barros não são coisas que combinam com o mar. Já Manoel é coisa bem portuguesa, então bem marinheira. Manoel de Barros era pantaneiro, um certo tipo de marinheiro de águas interiores.  Agora ele se foi, de vez, pois já fez o que tinha que fazer. Foi navegar. Obrigado Manoel de Barros.

sábado, 8 de novembro de 2014

Canoa furada

     Peço-lhes aqui uma licença para escrever sobre barcos menores, um olhar marinheiro sobre coisa pequena, de sentidos plenos, eu acho. Nada de grandes navios ou travessias intermináveis. Nada de furacões, encontros tocantes ou imensas noites de mar. Olho agora a pouca canoa furada, meio céu, meio terra, no último fundo da baía de Antonina. As cores ainda intactas, talvez mergulhadas de um vento maior. Agora abrigo de peixes e pequenos caranguejos, a quem lhes serve de muita coisa. A nós quase que não serve de nada, a não ser provocar a imaginação dos sentidos. As pequenas ondas tocando seu costado, as flutuações das cores da água ao seu redor e a curiosidade do menino a perguntar ao seu pai do porquê da canoa emborcada. Curioso, pergunta se aquela coisa se conserta, e se sim qual é o motivo do abandono. Quando se abandona uma canoa furada, quando? A quantas coisas mais nos serve uma canoa furada? Talvez a coisa que não se conserta leve a alma mais longe, ou melhor, a outro lugar que remos e músculos não possam levar.