sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Sobre a navegação

     Sobre planejamentos de rumos a seguir na vida talvez valha se falar sobre o leme, as águas rasas e as águas profundas. Nestas últimas, em momento de travessia, o leme, em piloto automático, regularmente vai a poucos graus de um lado para outro, assim também vai o navio em seu rumo, tentando seguir uma linha imaginária, desenhada em carta náutica. Nas rasas, em navegação restrita, timoneiro atento, a linha é imprescindível. Mais leme e menos tolerância a saídas do rumo, até à exata ordem "marca assim como vai", sem tolerância nenhuma a qualquer desvio. No navio, ainda que se saiba para onde se vai, vez ou outra chega um telegrama (claro, hoje já não é assim) indicando mudança de rota. Pode também o navio adoecer os ferros, encalhar, afundar e nunca chegar ao destino. Simples assim, não é Ana Maria?
*Peço desculpas aos marinheiros pelo linguajar menos cuidadoso com as coisas de bordo. Cuidei de tentar fazer as linhas mais claras para quem nunca bebeu água do peak tank de vante.


* Imagem cedida pelo marinheiro Joca D S.



sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O acidente

     Já não sei se lhes contei da história do acidente com o navio Quixadá. Se contei imagino como e tentarei contar como sendo outra pessoa, o que de fato eu sou. Passam os dias e mudam-se as pessoas, ao menos assim fantasio pois nunca quero ser o mesmo. Apenas preservo o nome para identificar uma história de família. E sobre o navio foi assim, atracado em um terminal de produtos químicos na cidade de Houston o navio explodiu. Um segundo tudo bem, outro segundo ninguém sabe o que aconteceu. Explodiu tudo, pintaram o navio de cinza, diria Marisa Monte. Não se sabe se alguém morreu, se o futuro tinha acabado ou se o alarme que eu fazia soar evitaria mal maior. É a casa que tem o teto levado ao ar, a inundação que leva as árvores do jardim. Enquanto isso se apertam incontáveis botões e infindáveis comunicações de emergência. Não havia fogo nem paz. Não houve paz por meses seguidos, uns cinco e pouco mais. Houve fila de marinheiros na cabine telefônica, filetes de lágrimas em olhos sertanejos. Reconstruímos o navio, remendamos as cicatrizes e nunca esquecemos da solidão do momento em que "apagaram tudo, pintaram tudo de cinza".



segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O mar

     Ao mar as distâncias são inexatas e a reta é apenas figura imaginária. Navegar para se chegar a algum lugar requer sempre correções de rumo e preparação para súbitas mudanças de destino. Lá as coisas se sustentam por enormes profundidades e são ameaçadas por coisas rasas. Marinheiro, quando levanta os olhos, sabe do tamanho imenso da natureza que o envolve e enche-se de respeito à cada gota de mar.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Alma além-mar

     Caso você embarque em um bom navio, um que não seja de passageiros, talvez um petroleiro de longo curso, um carga geral de bom tamanho, um containeiro meio vazio para que não fique na ponta dos pés, repare cada um dos marinheiros. Tem uns que são largados do fundo das máquinas, que cheiram óleo e usam macacão de pijama. Tem uns que cheiram a ferrugem e, pendurados pelos cantos do convés, dormem vez ou outra sobre os cabos da popa. Tem uns que cuidam da segurança dos outros e outros que cuidam da boa saúde de uns. Se você reparar bem de perto, no final do dia, todos, mas não juntos, ficam acotovelados na balaustrada, olhando o mar. Então, quando você não se perceber sendo observado, coloque os cotovelos na coisa, ajuste bem os pés, de preferência um em apoio mais alto, e olhe o horizonte. Garanto-lhe que só assim vai entender uma alma além-mar.