Já não sei se lhes contei da história do
acidente com o navio Quixadá. Se contei imagino como e tentarei contar como
sendo outra pessoa, o que de fato eu sou. Passam os dias e mudam-se as pessoas,
ao menos assim fantasio pois nunca quero ser o mesmo. Apenas preservo o nome para
identificar uma história de família. E sobre o navio foi assim, atracado em um
terminal de produtos químicos na cidade de Houston o navio explodiu. Um segundo
tudo bem, outro segundo ninguém sabe o que aconteceu. Explodiu tudo, pintaram o
navio de cinza, diria Marisa Monte. Não se sabe se alguém morreu, se o futuro
tinha acabado ou se o alarme que eu fazia soar evitaria mal maior. É a casa que
tem o teto levado ao ar, a inundação que leva as árvores do jardim. Enquanto
isso se apertam incontáveis botões e infindáveis comunicações de emergência.
Não havia fogo nem paz. Não houve paz por meses seguidos, uns cinco e pouco
mais. Houve fila de marinheiros na cabine telefônica, filetes de lágrimas em
olhos sertanejos. Reconstruímos o navio, remendamos as cicatrizes e nunca
esquecemos da solidão do momento em que "apagaram tudo, pintaram tudo de
cinza".