sábado, 21 de março de 2015

O seu olhar



Eu navio já pulei sete ondas
Vi infinitas estrelas cadentes
Eu navio fiz todos os despachos
Rezei todos os traços
Guardei sementes das muitas frutas
Eu navio iluminei escuridão de alto-mar
E ainda não vi mais sorte que amar
Ao chegar em vagalhões de praia
O seu olhar meus olhos olhar.


 

sexta-feira, 13 de março de 2015

A imaginação



     Em uma das sextas-feiras 13 de travessia, a bordo do navio Quixadá, carregado de tantas coisas explosivas, tóxicas, corrosivas e voláteis que nem o mais inconsequente urubu ousava sobrevoar, o moço de convés desapareceu do convés. Procuramos em todos os cantos e, claro, o encontramos trancado em seu camarote. De lá, disse ele, nada o tirava em dia de sexta-feira 13. Lá ele ficou e, nos dias seguintes, trabalhou a mais para compensar as horas de medo do azar. Nos outros dias o enorme rapaz carregava tranquilamente tambores de perigosos produtos químicos e pintava o navio em alturas de vertigem. Para ele, talvez não só para ele, a imaginação era imensamente mais perigosa do que a realidade.





terça-feira, 10 de março de 2015

Feminino



Das coisas do mar
Azul, peixe e onda
Sal, tempestade e vento
Vida, pássaro e vagalhão
Alga, verde e baleia
Sempre a saber do navio
Ele é mulher, é feminino
Flutua sobre todas as coisas
E sabe, sempre, recomeçar.



quarta-feira, 4 de março de 2015

A nuvem

    Em 1983 éramos alunos da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante e fizemos uma viagem de instrução no navio de transporte de tropas Ary Parreiras. Um uma noite de olhar céu e nuvens uns cinquenta de nós fomos à proa do navio, contar histórias e vantagens. No decorrer das contações de vitórias e tragédias seguiram-se as histórias de terror, de assombrações, coisas sobrenaturais e outros exageros. Com tanta testosterona junto os causos eram ouvidos com muita coragem e bom humor. As histórias da região norte, de espíritos das florestas e outras lendas cresceram entre nós, sentados no convés do navio a navegar pelo mar do nordeste brasileiro. Alguns faziam suas narrativas com maior impacto pois acreditavam mesmo no que contavam. Outros pareciam estar inventando naquele instante uma lenda milenar, mas nem por isto tinham menos ouvidos atentos. Os espaços de silêncio entre as histórias foram aumentando até o momento em que alguém apontou o horizonte à boreste, mostrando a mais estranhas das nuvens, escura e sombria, a se aproximar do navio. Foi o suficiente para todos partirem em disparada pelas escadas em direção às cobertas. No mesmo instante o oficial de quarto anotava, sem sobressaltos, no diário a presença de "cúmulos cobrindo 5/8 do céu". Estas histórias que se contam, as teorias dos finais dos tempos, tomam proporções de desastre quando achamos que o perigo maior está apenas fora de nós, não é?




Créditos de imagem:  https://eco4u.files.wordpress.com/2009/09/24grcumulonimbus.jpg