terça-feira, 30 de setembro de 2014

Sísifo feliz

     Às exatas quatro horas da manhã começa mais um quarto de serviço a bordo de navios em viagem. Isto significa que, aos navegantes que entram em serviço, o telefone toca precisamente às três e quarenta e cinco, com toda a crueldade possível. Levantei na ponta dos pés, disposto a me vingar do piloto que sadicamente me acordou. Entrei no passadiço disposto a dar-lhe um susto de parada cardíaca. Não surtiu efeito e ainda ouvi umas boas risadas de desprezo enquanto ele passava-me o serviço. Pouco depois, já sozinho, olhava o horizonte e fazia a navegação com o prazer de sempre, ainda que o humor não havia dado sinal de melhoras. Isto durava até o primeiro raio de sol e o cheiro do café que subia da cozinha. Às sete horas o pessoal de convés aparecia para tratar a ferrugem e pintar o navio e pouco depois das oito eu já estava sentado à mesa do refeitório, conversando com quem saia de quarto das máquinas. Sempre assim, tal qual Sísifo feliz, que percebia em seus sentidos o fluxo da vida sem esperar o paraíso.

 

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