Às exatas
quatro horas da manhã começa mais um
quarto de serviço a bordo de navios em viagem. Isto significa que, aos
navegantes que entram em serviço, o telefone toca precisamente às três e quarenta e cinco, com toda a
crueldade possível. Levantei na ponta dos pés, disposto a me
vingar do piloto que sadicamente me acordou. Entrei no passadiço
disposto a dar-lhe um susto de parada cardíaca. Não surtiu efeito
e ainda ouvi umas boas risadas de desprezo enquanto ele passava-me o
serviço. Pouco depois, já sozinho, olhava o horizonte e fazia a
navegação com o prazer de sempre, ainda que o humor não havia dado sinal de melhoras. Isto durava até o
primeiro raio de sol e o cheiro do café que subia da cozinha. Às
sete horas o pessoal de convés aparecia para tratar a ferrugem e pintar
o navio e pouco depois das oito eu já estava sentado à mesa do
refeitório, conversando com quem saia de quarto das máquinas.
Sempre assim, tal qual Sísifo feliz, que
percebia em seus sentidos o fluxo da vida sem esperar o paraíso.
terça-feira, 30 de setembro de 2014
Sísifo feliz
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